Tarot: entre a magia e a psicologia

Dentre os sistemas antigos destinados a prever o futuro, o Tarot foi, sem sombra de dúvida, o que sofreu a maior virada em seu trajeto até os tempos atuais. De um jogo lúdico do início da renascença italiana, no século XV, a um instrumento divinatório e de meditação reverenciado em irmandades ocultistas, como a inglesa Golden Dawn, no século XIX, o Tarot hoje é reconhecido como um grande legado de imagens do inconsciente que sobreviveu ao teste do tempo. Foi objeto de estudo de artistas, magos e psicólogos.

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Escritores como W. B. Yeats, T. S. Eliot e Ítalo Calvino, ocultistas como Aleister Crowley, A. E. Waite, Eliphas Lévi, Papus e Ouspensky, psicólogos como C. G. Jung, Sallie Nichols, Mary Geringer e James Wanless, entre outros, ficaram encantados com suas imagens de imenso poder imaginativo, capazes de despertar a visão interna mais profunda, aguçar a intuição e revelar o que está por trás, não só das aparências, mas também além do tempo presente.

O que é?

Mas, o que é o Tarot? Vale dizer que todos os que mencionei agora teceram suas teorias, sem, contudo, obter uma resposta satisfatória sobre este enigma. É bem verdade que alguns preferiram, ao longo do tempo, relegar as cartas aos domínios sombrios do preconceito e da superstição, rebaixando-as à cartomancia comum.
As cartas do Tarot possuem em si imagens que representam todos os aspectos da vida humana em sua jornada de vivências, das mais comuns até os mais elevados ideais, passando pelo homem médio na busca do desenvolvimento espiritual. Suas imagens são alegorias das muitas fases de desenvolvimento e amadurecimento da personalidade humana, desde a saída da infância para a adolescência, até a saída da maturidade para a velhice, ou a entrada num ciclo de iniciações na universidade ou numa escola de mistérios, por exemplo. Qualquer passagem da vida humana pode ser retratada nas imagens ordenadas dos arcanos maiores e menores do Tarot.
Jung falou em arquétipos (imagens arcaicas), imagens da memória coletiva ancestral que estão dentro de nossos inconscientes e que podem ser ativadas por determinados símbolos, que revigoram e trazem à tona toda a carga emocional que estas imagens possuem em si e que nos tocam profundamente. A décima terceira carta do Tarot, por exemplo, chamada de “A Morte”, mostra um esqueleto segurando uma foice; em todo o mundo os esqueletos são símbolos da morte, da dor, das perdas e das transições dolorosas que teremos de passar inevitavelmente. Esta imagem do Tarot traduz, com perfeição, tudo o que a morte tem representado para a humanidade através dos tempos.
Assim como esta, as outras cartas do Tarot são ilustrações sobre os anseios da alma humana, uma espécie de história em quadrinhos sobre os nossos dramas.

Por que se consulta o Tarot?

Os motivos nem sempre são nobres, muitos transformaram a consulta às cartas num momento de “fofoca astral”, onde se pode espionar a vida dos amigos, da família, dos filhos, irmãos e, é claro, dos cônjuges. Felizmente, isto tem mudado e muitos estudiosos têm visto no Tarot um potencial para algo muito mais elevado. Muito embora os que fazem do Tarot um instrumento leviano de espionagem da vida alheia nem se toquem, o verdadeiro motivo de se debruçarem tão avidamente a colher as mensagens de seus símbolos é apenas um: o contato com as imagens primordiais da alma que nos fazem sentir parte de algo muito maior do que este mundo limitado pelos conceitos estreitos da mente racional.
Quando consultamos o Tarot, temos em mãos um conjunto de informações muito importantes sobre nossas vidas, ou sobre a vida de quem se consulta, podemos ver refletidos em suas imagens todos temas centrais da alma, como programações inconscientes, complexos psicológicos e frustrações pessoais, informações estas que se evidenciam nas vivências mais corriqueiras, pois o que somos projeta-se, o tempo todo, em tudo o que nos cerca.
Podemos colocar tudo isto melhor, numa linguagem poética, dizendo que o Todo pode se refletir num momento do mesmo modo como a Lua e o Sol podem se refletir numa pequena poça d´água. Com o Tarot podemos entender o motivo último dos acontecimentos persistentes em que, muitas vezes, nos vemos envolvidos.
Buda já dizia que a vida humana é cíclica. Temos uma tendência obsessiva a deixar que os nossos interesses, dramas e anseios girem sempre em torno dos mesmos temas, que suscitam o desejo. Parafraseando mais uma vez Buda: “o desejo é a fonte de todo o sofrimento”. O Tarot traz, no conjunto de suas imagens, a possibilidade de refletir sobre nossas vidas, sobre o ponto em que nos encontramos e ponderar sobre onde podemos chegar se insistirmos num determinado comportamento.

Reflexão interior

Atualmente podemos usar as cartas para meditar, explorar influências de vidas passadas, desenvolver a intuição, a fluência verbal e a flexibilidade imaginativa, além de despertar e estimular a criatividade, o quem explica o interesse de muitos artistas no tema: o pintor espanhol Salvador Dali, por exemplo, tem um baralho pintado por ele, até hoje à venda no mercado, exclusivamente para sua mulher, que era taróloga.
Erroneamente pensa-se que o estudo do Tarot serve apenas para a consulta de outras pessoas, o que é um erro, podemos usar o Tarot para a reflexão interior e o aprofundamento da visão sobre muitos dos nossos dilemas pessoais.
Como isto acontece? Eis a pergunta mais comum e a mais difícil. Tudo o que podemos oferecer é teoria, que, diga-se de passagem, não pode ser comprovada em laboratório (graças a Deus!). Jung lançou a teoria da sincronicidade, que é um acaso significativo, ou seja, uma “coincidência” que tem algo de relevante com nossa realidade interior. Assim sendo, ao retirarmos um conjunto de cartas, geralmente dez, o princípio da sincronicidade opera e os símbolos retirados refletem com precisão uma realidade presente, ou futura, que se manifesta, ou se manifestará, em nossas vidas.

De onde?

De onde vêm estas informações? Podemos responder de duas formas: os racionalistas gostam da teoria junguiana que diz que estas informações originam-se do inconsciente coletivo, o imenso reservatório de conhecimento sobre os temas comuns a todos os seres humanos no planeta, que se expressa através do self, a parte da consciência que anseia pela integração do consciente e do inconsciente, fazendo assim com que cada indivíduo seja um ser pleno, inteiro – completo, enfim.
Uma outra teoria vem dos místicos e espiritualistas que dizem que as informações viriam da própria consciência de Deus, cuja parte individualizada em cada ser humano, é conhecida como “Eu superior” e que esta parte da consciência vela por nosso equilíbrio e pela conseqüente evolução das tramas do ego, ou “pequeno eu”, nesta ou em outras vidas.
Há quem diga que ambas as teorias falam da mesma coisa, apenas com nomes diferentes. Que seja! O que importa é que a aproximação deste self, Deus ou mistério, é simplesmente o maior tesouro que a vida nos reserva, e o Tarot é um dos mais belos mapas para o encontro deste tesouro perdido dentro de cada ser humano.

JAIME E. CANNES
Publicado no Clube do Tarô – Janeiro de 2007