A História do Tarot, da Idade Média ao Século XXI (Primeira Parte)

Até onde alcançam os registros históricos o fascinante baralho do tarot não nasceu com a finalidade de ser um oráculo. Ao que tudo indica era um jogo de cartas da nobreza europeia, uma obra de arte feita por afamados artesãos da época a preços muito altos. O baralho de tarot mais antigo que se tem conhecimento é o de Charles VI, rei da França, de 1392. Dezessete cartas desse tarot ainda existem e estão em exposição na biblioteca nacional de Paris. Na Itália os Duques de Milão, a família Visconti, mandaram fazer entre 1420 e 1440 uma série de jogos de tarot que levavam o seu nome. Um deles é o Visconti-Sforza, criado como presente de intenção de casamento de um pretendente da família Visconti com um membro da família Sforza. Isso deixa bem claro o quanto essas cartas eram apreciadas naquele tempo. O jogo de cartas do tarot Visconti Sforza, vem a ser o mais antigo baralho completo, com as setenta e oito cartas originais. É vendido até hoje pela editora Lo Scarabeo.

Ao que tudo indica as imagens tinham na verdade a intenção de refletir o mundo conhecido naquele tempo, com suas virtudes, temores e vícios. A divisão das classes sociais como eram reconhecidas na época aparecem nos quatro naipes: Paus era o naipe dos camponeses, trabalhadores braçais, representam vigor, energia e ação. Copas é o clero, o misticismo, o amor divino e o amor humano, que era consagrado nos templos, daí o casamento em igrejas. Espadas era o representante dos nobres e do exército, que dominavam pelo conhecimento e pela força, vem a ser o naipe mais crítico da série. Por fim o naipe de ouros representava a rica classe dos comerciantes, que influenciavam os reis com suas posses e negociações e mudariam para sempre a face da sociedade tanto no ocidente quanto oriente, inaugurando as sementes do que mais tarde chamaríamos de capitalismo.

Rainha_de_Espadas

A Rainha de Espadas no Visconti-Sforza tarot.

O que se conseguiu foi colocar as Imagens da alma humana de modo totalmente inconsciente, no que a moderna psicologia poderia chamar de trabalho projetivo.   Foram colocados em suas imagens todos os aspectos do inconsciente coletivo da humanidade  – como séculos mais tarde diria o psiquiatra suíço C. G. Jung.

O tarot com o tempo caiu de moda e do gosto dos abastados mergulhando no esquecimento, até que em 1781 Court de Gebelin, um pesquisador de ocultismo e magia, conheceu o tarot e começou a estudá-lo intensamente. Era um profundo conhecedor de simbologia e assim que viu as imagens logo percebeu sua ligação com outras áreas do conhecimento oculto como a astrologia, a magia e a alquimia. O problema é que Gebelin acreditava que todo o conhecimento oculto ou mágico da antiguidade tinha alguma ligação com os antigos egípcios. Iniciou-se então uma fantasiosa epopeia em que sábios do antigo Egito percebendo a decadência moral do homem guardaram seus segredos na forma de um jogo com poderosas imagens que fariam com que a humanidade preservasse através do vício do jogo as virtudes morais da alma. Essa fantástica história, sem nenhum embasamento histórico, durou mais de dois séculos! E ainda hoje há pessoas que creem que ela seja verdadeira, Nesse período da história do tarot é que ele se eleva de um simples jogo de salão dos nobres a um complexo sistema oracular. A flexibilidade de sua simbologia permite com que se reconheçam diversos seguimentos de diversos ramos do hermetismo, o que vem fascinando estudiosos e pesquisadores até hoje.

Rapidamente houve um cisma entre os praticantes da tarologia, uns acreditavam que o tarot era um sagrado instrumento do saber que não poderia ser profanado com a prática oracular.Para esses a sondagem do futuro com as cartas não passava de uma profanação bizarra. Suas informações deveriam ser utilizadas apenas para a elevação da alma humana. Entre os eruditos que defendiam essa tese havia nomes como Eliphas Lévi e Papus.  Outros praticavam a linguagem oracular sem nenhum constrangimento e enriqueciam com isso. Entre esses constavam, além do próprio Gebelin, nomes como Eteilla e Madame Lenormand.

Embora os primeiros cartomantes tenham sido combatidos, foi na verdade a sua prática que tornou o tarot o sistema oracular mais popular do mundo todo .O que os eruditos não sabiam é que aplicação da linguagem mais elevada dos símbolos era perfeitamente compatível com as leituras individuais dos cartomantes, mas isso só ficaria claro no século XX.

Em 1888 foi fundada em Londres a Hermética Ordem da Aurora Dourada – A Golden Dawn – que mudaria para sempre tudo o que se sabia sobre a tarologia até então. Foi a primeira ordem a eleger um sistema oracular como seu instrumento de meditação, estudo e reflexão.  A contemplação dos arcanos, como ficaram conhecidas as imagens do tarô, era obrigatória para os iniciantes. Isso nunca havia acontecido, outras ordens como a maçonaria, a rosa-cruz ou mesmo a sociedade teosófica não haviam se dedicado de modo tão intenso, incisivo e assumido a nenhuma arte oculta da antiguidade. Na Golden eles se adiantaram na prática da visualização criativa, adentrando e interagindo com os personagens dos arcanos, tirando impressões pessoais e crescendo internamente com isso, apreendendo mensagens pessoais cheias de significado, além de expandir bastante o conhecimento sobre o significado dos símbolos tarológicos. Mais tarde Jung viria a utilizar esse tipo de visualização criativa e interativa em suas técnicas terapêuticas.

ten_of_cups

Dez de Copas, no Rider-Waite tarot.

Dois participantes da Golden criaram os dois baralhos mais famosos do mundo, o Thoth tarot, de Aleister Crowley e o *Rider-Waite, de Arthur Edward Waite. Esse último foi o primeiro baralho a criar figuras que representavam o significado dos arcanos menores, ao contrário dos baralhos clássicos que mostravam apenas um número seguido da imagem do naipe correspondente. Essa prática é imitada até hoje pelos modernos autores de tarot. A Golden também veio a ser a primeira ordem oculta a criar o seu próprio baralho, o Tarot da Golden, cujos esboços originais foram feitos por um dos seus fundadores Mcgregor Mathers.

O maior problema desse período, apesar de ter sido glorioso por um lado, foi que os estudiosos da época teimavam em atribuir as origens do tarot a algum sistema mais antigo como a cabala ou a astrologia, negando a sua singularidade. O ápice dessa confusão foi quando A. E. Waite mudou a numeração dos arcanos A Justiça (VIII) e A Força (XI), em seu baralho Rider-Waite, inspirado pela estrutura das letras cabalísticas, causando imensa confusão até hoje.

A moderna estrutura e aplicação da linguagem simbólica do tarot nos dias atuais será apresentada na segunda e última parte deste artigo na próxima edição. Até lá!

*Rider era o nome da editora que lançou o baralho em 1910.

Jaime E. Cannes.

Publicado no jornal VIVA BEM, Março de 2010.