O papel espiritual do tarólogo

Dizem que a prometida Era astrológica do signo de Aquário já começou, mas que ainda é muito incipiente e que seu apogeu se dará lá pela metade do terceiro milênio, dois mil quinhentos e alguma coisa… A Nova Era da consciência planetária, por outro lado, não irá tão longe. Ao que tudo indica a decadência dos valores espirituais e holísticos está em franca expansão!

O que vemos atualmente é uma panaceia: os terapeutas holísticos estão sofrendo de uma ânsia infantil por reconhecimento social e legalidade e nesse afã estão criando associações e cursos para certificar terapeutas “qualificados”, com número de registro para garantir um bom serviço.

E os tarólogos então? Estão muito preocupados em divulgar o verdadeiro tarot, com muito estudo, atacando com veemência aqueles que se dizem tarólogos sem o ser, pois ao que parece é imprescindível defender a verdadeira natureza do tarot.

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“O mago e o tarot”

Ora isso não é uma cópia exata do sistema e da ordem vigentes? Basta uma rápida olhada na história para verificar o que aconteceu com todas as classes que se organizaram em ordens, sindicatos e associações, ou que saíram por ai dizendo-se defensoras da verdade desta ou daquela doutrina ou disciplina. Este foi o mesmo princípio que gerou o comunismo, o fascismo, o nazismo…

A proposta da Nova Era é justamente uma proposta de liberdade e de libertação dos antigos sistemas de hierarquia e poder, de introdução da espiritualidade na vida comum e, portanto, de total confiança de que tudo corre para o desenvolvimento de cada indivíduo.

Certificados não são sinônimos de talento ou competência, muito menos de seriedade.

A existência de cursos de formação atrai mais oportunistas e carreiristas do que a sua não existência. Tudo o que um capitalista quer é uma carteirinha que o certifique, colocando-o no panteão dos bons, sérios e estudiosos, entronado e livre para atacar os demais! É nisso que se resume a busca espiritual dessas pessoas? Essa é sua ideia de um mundo melhor?

O tarot necessita de defensores? Ora, ele sobreviveu pelo menos 600 anos à ignorância religiosa, à superstição e à exploração mercadológica de meados do século XX. Ao que tudo indica a força arquetípica de suas imagens podem muito bem cuidar de si mesmas.

E esse estudo todo, que por um lado é positivo e enriquecedor, não tem de ser dosado? Ora, toda a agressão e conflito nascem de um excesso de mente e uma carência de coração. Os atuais tarólogos parecem constrangidos em mencionar o uso da intuição (que é o uso do coração), como se a mente racional fosse a única forma de aprender. E por falar nisso não é uma proposta da Nova Era explorar recursos além da mente? Tudo o que vemos à nossa volta é o resultado do excesso de mente. Essa é a nova Terra que ambicionamos?

 

Voltando-se para dentro

Existem questões mais importantes que um tarólogo, ou um terapeuta holístico, tem a se indagar: Qual o real significado do seu trabalho para você mesmo? O que você acredita ser a maior contribuição de uma consulta sua para cada pessoa que o procura? O que você mesmo procura no estudo e na prática tarológica? É só uma atividade intelectual? Um meio de auto-superação? Um meio para acessar a sua divindade interior? Um modo de aprender mais sobre você e a vida? Que aprendizados são esses? Ou o tarot é só um instrumento pelo qual você se sente vivo e “importante” porque os outros o procuram? Você quer só adivinhar o que se passa do outro lado e sentir-se sempre encantado com isso?

Todas essas perguntas, e muitas outras, devem ser feitas por você à você mesmo e com certeza há muito material para pensar e meditar por muito tempo. O tempo, é indiscutivelmente, o melhor mestre e um maravilhoso seletor de competências, seriedade, profundidade e vocação. Cuide de si e da sua experiência diária com o tarot, deixe que a vida e o tempo assumam a conta do resto. Concentre-se na sua contribuição para o planeta ajudando da melhor maneira possível todo aquele que o procura. Isso independe de a sua relação com o tarot ser profissional ou não. Cada tarólogo no mundo possui a sua característica própria de levar seus clientes à introspecção e, portanto, à reflexão. Essa é sua assinatura e sua real contribuição à nova consciência que precisa de todas as visões para existir. A verdade não está lá fora.

 

A transformação do oráculo

A grande maioria dos tarólogos hoje em atuação, no início de suas atividades, inclinou-se para um trabalho puramente oracular e divinatório. Também acho que quase a totalidade desses, em dado momento, se questionou se aquele serviço era realmente útil, e especulou sobre como ele estaria de fato ajudando aqueles que procuravam suas consultas para saber daquele amor recém iniciado, ou daquele projeto que, finalmente, sairia do papel. O que teria motivado esse questionamento?

Ora uma leitura divinatória não é necessariamente ruim ou “inferior”, pois esse tipo de coisa só existe na cabeça dos seres humanos que criam tais classificações para amparar o próprio ego. A previsão do futuro é legitimamente humana, desde a antiguidade os homens queriam saber do futuro das colheitas, da saúde da prole e do andamento de empreendimentos futuros. Afinal naqueles tempos os recursos eram poucos, as dificuldades naturais para realizar qualquer coisa eram imensas… Isso fazia com que se buscasse algum conhecimento prévio sobre os acontecimentos e a vontade dos deuses (daí o nome divinatório para as artes de prever o futuro).

Esses fatores ainda hoje são válidos, vivemos num tempo em que as incertezas mudaram de nome e de figura, mas ainda são angustiantes. A relação com o tempo, e com a própria divindade, entretanto, mudou radicalmente. Há pessoas que nem sequer acreditam em Deus, mas que aceitam prontamente as palavras “Energia”, “Cosmo”, ou Inconsciente Coletivo. Isso mesmo, há aqueles que tomaram a teoria de Jung como uma definição mais acertada de Deus. Particularmente eu não concordo com esse racionalismo todo, me arrepia! Porém não quero entrar aqui nesse mérito filosófico.

A verdade é que o ser humano hoje se vê no limiar de sua civilização. Enquanto espécie se pergunta o que veio fazer aqui, Consumir, pagar e morrer? É todo esse o sentido da vida? E sobre todos os eventos individuais em que todos nós nos envolvemos, há algo para ser compreendido, integrado, superado ou transformado?

Essas são as perguntas que o ser pensante de um novo tempo está se fazendo. Isso ocorre porque nunca tivemos tanta consciência sobre a conseqüência dos nossos atos no planeta e em nossas vidas. A isso se deve o mérito da divulgação das filosofias orientais sobre o Karma e a reencarnação, bem com os princípios da psicologia e da ecologia. Somos auto-responsáveis, não há mais como negar!

 

A nova face do Tarot

Muitos tarólogos foram sensíveis a essa mudança, aprofundaram seus conhecimentos sobre o Karma, a filosofia, a psicologia e a ecologia do planeta e da alma e perceberam que a flexibilidade simbólica do tarot comportava muito bem a profundidade dos conhecimentos tanto quanto a dos questionamentos.
As cartas aparecem então como um mapa que detecta padrões de comportamento antigos projetados no momento de certo conjunto de vivências. Revelam programações paternas e kármicas e apontam o caminho para a transformação e ou superação de tais programas.

Há muitos modos de proceder essa investigação, pois há tantos modos de se utilizar o tarot quanto há pessoas na Terra. A verificação disso é muito fácil, basta consultar dois profissionais diferentes e logo perceberá que ambos falarão sobre as mesmas questões que o motivaram à consulta. Com significativas diferenças, é claro!

Um parecerá buscar raízes mais psicológicas, outro mais espirituais ou kármicas, um terceiro poderá ainda avaliar, através das cartas, que padrões energéticos estão envolvidos no momento da consulta. Sim, uma miríade de enfoques sobre um mesmo tema, e todos muito construtivos com certeza! Para os que se preocupam em qual seria o tarólogo certo para o momento que está vivendo e seus valores, eu costumo dizer: “Não se preocupe, o tarólogo certo é que acha você!”.

Quantas vezes eu ouvi: “Eu nunca consulto ninguém sem indicações, mas quando vi o seu nome naquele site (ou anúncio), sei lá, marquei e vim.” Alguns ao final completavam: “Ah, fiz bem em vir, foi ótimo!”.

As funções divinatórias do tarot estavam ligadas quase que exclusivamente ao aspecto mundano da vida, hoje os eventos mundanos estão sendo relacionados aos aspectos interiores de cada um, e é no interior que mora o divino, não importa como o chamemos.

É essa a função espiritual do tarot. Quanto mais entendemos a relação dos fatos com as escolhas que se faz, mais elevada se torna a consciência, quanto mais se culpa os eventos externos, a economia, ou os outros por tudo o que ocorre mais densa e rígida fica a relação com a vida. Como disse o místico indiano Osho: “Quanto mais para dentro, mais para o alto, quanto mais para fora, mais para baixo”.

 

JAIME E. CANNES
Publicado no Clube do Tarô – Janeiro de 2008