Tarot e sexualidade
A sexualidade humana assumiu um papel central nas relações pessoais. Se antes os debates giravam em torno do que é normal ou não, agora se voltam muito mais para uma discussão de como pode ficar mais satisfatório. Somos bombardeados todos os dias com uma grande variedade de apelos eróticos para as coisas mais banais, desde obter um cartão de crédito até adquirir o mais novo lançamento de dentifrício bucal… Existe um punhado de gente brincando com nossos instintos para simplesmente vender produtos! Depois olhamos estarrecidos os noticiários de TV que, com a mais indecente satisfação, discorrem sobre os detalhes dos abusos sexuais ou dos índices de aumento da violência. Vamos dormir nos perguntando: De quem é a culpa? Eu não acredito em culpa, nunca acreditei. O único caminho é o da auto responsabilidade.
É comum em consultório declarações do tipo: “Ela diz que me ama, mas não faz amor comigo todos os dias! Diz que é demais!” Ou pior: “Eu nem sempre tenho orgasmos porque a freqüência dele é maior, mas é comum né? Isso prova que ele me ama…” Isso quando não aprece um homem atormentado dizendo que não sabe o que acontece com ele, porque não tem a mesma voracidade sexual que seus amigos. De repente já não se trata mais do exercício natural do ser e sim uma competição para ver quem é mais macho ou mais potente. A mesma atitude se estende às mulheres também. Algumas alegam cheias de orgulho que são quase insaciáveis! Para aqueles que pensam que fazer sexo é como escovar os dentes ou lavar o cabelo, quero oferecer uma reflexão que me parece proveitosa e que está contida no significado de dois arcanos maiores do tarot.
Para tanto vamos examinar o simbolismo clássico do tarot de Marselha. Lá vemos o arcano de O Diabo (XV) entronado num cubo, com seus órgãos sexuais à mostra, indicando que ele está 100% pronto para o sexo a qualquer momento. Ele é fértil e viril como os homens. A figura também é andrógina, tem seios, o que nos faz lembrar que ele pode ser sedutor e insinuante como as mulheres.
Na mão esquerda ele segura uma tocha, símbolo 15. O Diabo no Tarô de Marselha-Camoin fálico do fogo do desejo e das paixões que não se apagam porque viraram obsessões. Ele faz sexo com o corpo algumas vezes, já que com a mente ele o faz o tempo todo! O consumidor contumaz de pornografia.
Na mão direita um gesto iniciático (O mesmo gesto do Hierofante) que parece dizer: “Não há nada para além deste mundo” enquanto o Hierofante (V) tenta nos dizer que “Há muito mais coisas para além desse mundo”. É claro que ele é um materialista! A vida sem a matéria e suas sensações é uma farsa.
Na cabeça, O Diabo tem um elmo de Wotan o deus supremo dos bravos guerreiros nórdicos e germânicos… É, ele domina mesmo o nosso tempo. Aos seus pés há dois escravos, que nem de longe parecem atormentados. Eles são felizes, usufruem de toda a liberdade de ser quem são quando e como quiserem, e quem tentar dizer que eles são viciados e que talvez precisem de ajuda, será execrado. “Somos normais” dirão, e o são mesmo! Normal é aquilo que segue as normas sociais vigentes e as normas são essas atualmente.
A questão é que “normal” não é necessariamente saudável, e muito menos natural. A sexualidade humana é natural e saudável em todas as suas manifestações, desde que não seja a única maneira de expressar afetividade ou de que se torne um hábito capaz de roubar-nos a paz se não for executado. Isso não é nada saudável para si mesmo ou para as relações. E já está muito longe de ser natural. O seu número, o 15 indica o homem (1) e seus sentidos naturais (5) que somados devem servir ao propósito do amor (6) o número de Os Amantes.
No arcano de A Força (XI) vê-se uma cena que nos lembra algo de sensual, uma mulher integrada com sua parte animal, ou liberando a animalidade de seu parceiro que pode estar transformado. A posição dela é a de quem está querendo cavalgar a fera. O leão tem a sua boca aberta com aparente falta de esforço e esta se encontra à altura da vagina da donzela. Sua cabeça parece estar sendo recostada sobre o seu colo e não forçada a fazê-lo.
Não existe entre eles nenhuma amarra, nenhum trono, estão em sintonia partilhando de algo muito íntimo, intenso sim, mas com um começo, um meio e uma finalização. Isso ocorre porque seu envolvimento é total e não apenas físico. “Quando você está inteiro numa ação você sai inteiro dela” nos ensina o zen budismo nas palavras de Osho. A mente ocupa apenas uma parte da ação, o resto é do corpo, dos instintos e dos sentimentos. A saciedade da experiência é total e ninguém usa ninguém, a sexualidade cumpre o seu papel, é a expressão intensa do desejo e ou do afeto entre dois seres que não tentam anular o desejo do outro fazendo com que ele goste do que é divertido apenas para um dos participantes. A fantasia da dominação, presente no arcano de O Diabo é a ausência de afetividade, ou um processo lento de sua degeneração. O número de A Força, o 11 é o homem, em termos de humanidade (1) compartilhando com outrem sua humanidade (1) num experiência profunda (2) o número de A Sacerdotisa.
O que chama a atenção é que o arcano XV sucede o arcano XI na seqüência dos arcanos, o que pode nos passar a falsa impressão de que a degeneração da sexualidade humana é inevitável. Não creio nesse fatalismo, mas a verdade é de que em dado momento todos nós podemos nos apegar a essa experiência da vida como fundamental, geralmente quando estamos envelhecendo.
Devemos olhar com mais cuidado esse afã maduro pelo sexo, ele pode estar escondendo um desejo de intimidade que no fundo é uma ânsia de amor. O sexo pode ser por um breve momento o único contato íntimo que muitas pessoas se permitem, um “amor” que não requer comprometimentos e não oferece riscos ao frágil sentimento humano, muito embora ofereça muitos riscos em outros aspectos. O importante é que nenhuma função da vida sobreponha às outras e que o ser holístico englobe corpo e coração, mente e instintos numa unidade sagrada.
JAIME E. CANNES
Publicado no Clube do Tarô – Setembro de 2008